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entretanto se move

exposição coletiva

Galpão 556, 2025

curadoria

texto curatorial:

Apesar da Inquisição ter forçado Galileu Galilei, sob ameaça de tortura, a negar sua teoria sobre o movimento da Terra em torno do Sol, diz-se que, após negá-la, o cientista teria murmurado, num gesto de rebeldia: “entretanto se move”. Não há evidências de que ele tenha proferido essa frase, mas ela se tornou bastante popular cem anos após sua morte e passou a ser um símbolo de resistência. Por que uma frase do século XVII ainda nos interessaria no século XXI? Em um mundo de extremos, apesar das disputas de narrativas que ainda se dão de forma acalorada em tempos atuais, queiramos ou não, a Terra continua girando ao redor do Sol.

Reunimos na exposição entretanto se move obras de seis artistas em que a presença do movimento é irrefutável. Entendendo a pintura como forma de se relacionar com o mundo, com abertura para ambiguidades e coexistências, a exposição é um convite ao mergulho nas investigações pictóricas de Ana Gentil, Céci Pastore, Elisa Bueno, Maria Renata Pinheiro, Nathalie Bohm e Vera Souto. Cada artista, à sua maneira, nos apresenta pinturas que não se revelam por completo à primeira vista: preferem o enigma à comunicação clara e precisa. Pedem um olhar lento, atencioso, e se revelam aos poucos. Dão espaço para múltiplas leituras e interpretações.

Sim, o ano é 2025 e ainda falamos sobre pintura. Consideramos relevante mostrá-la, esta que tantas vezes teve a sua morte decretada (assim como a própria arte), sendo depois ressuscitada pela crítica, mas que nunca morreu entre os artistas. A pintura nos convida a uma postura ativa, como Lorenzo Mammì nos lembra: “A pintura não constrói objetos: constrói visões. O ato de ver, que é passivo e quase involuntário, se torna um fazer.” (O que resta: arte e crítica de arte, 2012, p. 187). Aqui, cada trabalho completa-se quando é visto, interpretado, sentido. Os desdobramentos da relação entre obra e espectador fogem ao controle das artistas, e isso também nos interessa. 

O processo de feitura das obras aqui reunidas é singular. Se a pintura costuma ter um fazer solitário, para o grupo, pintar juntas representa um momento de descontração. Ainda que cada pintura seja de autoria individual, o conjunto de obras é fruto da prática coletiva das artistas, que se reúnem semanalmente para pintar no ateliê de Manoel Fernandes. Por meio de referências partilhadas e de uma interlocução aproximada, suas expressões e pesquisas pessoais se contaminam, trata-se de um processo de aprendizado colaborativo e criativo sem que cada artista perca suas características próprias. Sem serem invasivas, uma palpita no trabalho da outra. Juntas, compartilham conhecimentos técnicos e soluções do fazer pictórico. Dessa convivência surgem amizade e companheirismo.

A exposição organiza-se em dois conjuntos de trabalhos. De um lado, a abstração e a gestualidade são os fios condutores que reúnem as obras de Nathalie Bohm, Vera Souto e Maria Renata Pinheiro. Nesse conjunto, vamos da luz e sombra em seus contrastes e nuances a uma profusão de cores. Do outro lado, a espacialidade que tende à abstração e a investigação sobre campos de cor motivam a reunião de Elisa Bueno, Céci Pastore e Ana Gentil. Aqui, vamos da forma orgânica à geométrica. Em ambos conjuntos, há diferentes naturezas de paisagens: do tema clássico da pintura, com a figuração de ambientes naturais, às paisagens internas de cada artista.

Em pinturas de grande formato feitas numa escala cromática de preto e branco, Nathalie Bohm explora o equilíbrio entre luz e sombra, caos e ordem, apontando para a interdependência entre os opostos. Sua gestualidade envolve a movimentação de todo seu corpo e se expressa na tela com o uso de pincéis não convencionais, como galhos de árvores e rodos.

A gestualidade também é marcante no traço de Vera Souto, mas, aqui, ela é movida por sentimentos e efetivada por braços, punhos e mãos. A artista transita com naturalidade entre a pintura, a colagem e o desenho. Na série Metamorfose, momentos de contenção e expansão geram pulsão e fricção, com a inserção pontual de cores vibrantes em meio a massas cinzas, pretas e beges. 

Já a pintura de Maria Renata Pinheiro vem de um processo intuitivo. Como uma aparição, a imagem se forma ao longo de seu fazer. Em um dinamismo de cores em diálogo, com camadas sucessivas de sobreposições, rastros e apagamentos, surgem, por vezes, silhuetas de paisagens, indícios de uma memória de natureza presente no imaginário da artista.

Na parede oposta, temos Elisa Bueno, que encontra na representação da paisagem um diálogo tanto com o meio ambiente quanto com a tradição da pintura. Ela transita das mais realistas para as  quase abstratas, quando a natureza se transforma em campos de cor. Na série Ninfeias, elabora corpos d’água: da figuração surgem experimentações sobre manchas, rastros e movimentos.

O olhar arquitetônico é o ponto de partida de Céci Pastore para mergulhar em questões específicas da pintura. Paisagens e cenas cotidianas de espaços interiores e urbanos são tomadas por paletas com predominâncias monocromáticas de cores vibrantes, irradiando intensidade, suspensão e mistério.

Espacialidade e geometria também se fazem presentes no pensamento pictórico de Ana Gentil, que a partir da arquitetura cria séries de pinturas com abstrações formadas por sobreposições de planos, camadas, transparências e linhas diagonais organizando as composições, produzindo jogos de luz e diálogos entre materialidades e texturas. 

 O conjunto de obras parece ser alimentado por um dinamismo, em seu âmago movido por pulsões de vida e de morte. Um mergulho nas pinturas — que são mais do que imagens — nos lembra que não estamos estáticos. Daquilo que brota das telas, seja através do gesto da mão, das zonas liminares, da miríade de cores ou das sobreposições de linhas e formas que se interrompem, se acumulam, se embaralham, o corpo é chamado para perceber seu movimento inerente, sutil mas inegável: o batimento cardíaco, o caráter cíclico da vida, o percurso dos astros em torno de suas estrelas, dos elétrons em cada átomo. Entre tantos desdobramentos possíveis, fiquemos com o que a visão de cada um de nós venha a construir a partir do contato com a exposição.

Fecho o texto ressaltando um aspecto não menos importante que os anteriores. entretanto se move é uma exposição idealizada integralmente por mulheres: artistas, curadoria, galerista e funcionárias do Galpão 556. Em um mundo que segue nos silenciando — as estatísticas de violência contra mulheres e da presença feminina nas instituições e no mercado de arte o comprovam — esse feito ainda não é corriqueiro. Esperamos que um dia o seja.

 

Curadoria

Marina Frúgoli

 

Assistente de curadoria

Letícia Castro 

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Artistas

Ana Gentil

Céci Pastore

Elisa Bueno

Maria Renata Pinheiro

Nathalie Bohm

Vera Souto

Fotos

Helena Lehfeld

© Marina Frúgoli

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