
texto curatorial:
Dourados são os muros de terracota no Marrocos quando vistos ao sol, ou pelo menos assim permaneceram na memória de Maria Andrade. Talvez sejam âmbar, mas me interessa mais a possibilidade e a incerteza do que a definição precisa. Dourada é a bruma que habita a produção mais recente da artista. Tendo realizado uma residência artística no Marrocos em 2023, a vivência parece ainda ressoar em sua produção recente, não mais como um assunto direto, mas como um pano de fundo. A presente exposição apresenta dois conjuntos de trabalhos, ambos reveladores de diferentes aspectos da poética de Andrade.
Por um lado, um conjunto de obras com maiores dimensões e tendência abstrata presentifica temporalidades múltiplas. São quase paisagens. Com uma aura dourada, as pinturas parecem movidas por uma intuição profunda, por uma espiritualidade. O uso intenso de cores aproximadas expressa-se de forma livre, onde transparências nos deixam ver sobreposições de camadas de tempos que se emaranham, como se fosse possível dali fazer uma arqueologia que nos revelaria tanto algo do passado quanto do futuro. Além da insistência da cor, algumas formas também reaparecem de forma incessante, como a figura da pedra-portal-montanha. O que a pedra quer nos dizer? Saberíamos ouvi-la? Seria ela um empecilho no meio do caminho ou um portal-passagem para outra dimensão? Quando Ney Matogrosso canta “Pedras sonhando com britadeiras / Cada ser tem sonhos à sua maneira”, me lembro da capacidade imaginativa de todos os seres, inclusive daqueles supostamente sem vida. Maria Andrade transforma-se em meio para a expressão da própria pedra. Sempre aberta à experimentação, parte da repetição de tais formas se deu pela utilização de carimbos aplicados sobre as pinturas, técnica nova na prática da artista. Sempre cambiante, a experimentação é um aspecto constante na sua produção, assim como suas pinceladas gestuais feitas com determinação e rapidez.
Do outro lado, temos obras em pequenos formatos, onde a paisagem propriamente dita é o gênero que dá o tom do conjunto. De forma mais sutil, uma poeira dourada também habita o conjunto. Paisagem, sempre a paisagem. Não importa se tais lugares existem ou se são pura ficção, fruto da imaginação da pintora. Não há um compromisso com o realismo, mas sim com a própria pintura. Aqui, vemos composições sem céu, mata densa, sobreposições, transparências, silhuetas que se formam com a retirada de tinta, manchas que viram flores e pedras, linhas que viram galhos, pinturas que flertam com o desenho. Figura e fundo por vezes se mesclam. Interessa o gesto inacabado que traz a sugestão das formas e convida quem vê a obra a completá-las em sua mente. Nelas, traços característicos da artista se fazem presentes, assim como a recorrência no uso de cores inusitadas, que não condizem com referentes da natureza.
No conjunto, camadas de tempo se compilam, se sobrepõem, se insinuam, simultaneamente ocultando e revelando aquilo que não sabemos se vem antes ou depois, se já ocorreu ou se ainda está por vir, mas que coexistem no momento presente.
Texto curatorial
Marina Frúgoli
Artista
Maria Andrade





