
texto curatorial:
Lá no meio tinha uma casa e um caminho demarcado no chão que levava até ela. Podia ser a casa de algum conto de fadas, mas tinha um aspecto curioso que aludia a outras profundezas do meu inconsciente, para além do espaço que ocupam as memórias de contos infantis. Não sei bem se era sonho, ou se a casa estava mesmo ali. Tinha algo de evanescente. Do que não tenho dúvidas é que havia um encantamento. Não só por ela, talvez até mais pelo seu entorno, por toda a exuberância da natureza que a rodeava. Era uma paisagem densa, uma mata fechada, mas quando eu pisquei os olhos ela mudou, se transformou em um campo aberto cheio de flores. Pisquei de novo, e a casa estava na beira de uma lagoa, com uma montanha ao fundo. Talvez não fosse sempre a mesma construção, mas sim um arquétipo de moradia que se manifestava à sua maneira em cada tela. Em certo momento, já não havia mais casa.
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Tomo liberdade para iniciar este texto com um breve devaneio a partir da minha aproximação às paisagens de Anna Ruth. Que seja um convite para um mergulho em um espaço pictórico onde imaginação e realidade não são opostos, mas sim dimensões que se retroalimentam e, eventualmente, se fundem.
Sonhos, aparições e cenas cotidianas é a primeira exposição individual de Anna Ruth. Ela cresceu em uma família de artistas e já transitou entre diversos campos de expressão, tendo passado pelo teatro e participado da cena rock paulistana, além de ter se desenvolvido em diversas materialidades nas artes plásticas. Dentre elas, destaca-se a pintura, à qual vem se dedicando nos últimos anos. Atualmente, vive em São Pedro da Serra, Nova Friburgo (RJ), e a vivência de contato próximo com a natureza que a rodeia alimenta a sua produção. Aliás, como bem notou Paulo Portella Filho em conversa comigo, essas paisagens não buscam ser uma reprodução fiel da realidade, elas expressam o encantamento da artista pela natureza. Nas andanças pelo entorno de sua moradia, ela coleta os insumos visuais que depois irá pintar — estes são levados na memória, ou em fotografias que não necessariamente serão revisitadas depois. Seu processo de pintura é dentro do ateliê: estar dentro, imaginando como seria lá fora.
Mais recentemente, para além do tema da paisagem (tema caro à tradição da pintura, diga-se de passagem), Anna Ruth vem pintando cenas de interiores, geralmente envolvendo a presença de uma figura feminina sem rosto definido e uma mesa com elementos de natureza morta que fazem referência a diversos pintores que a artista admira, de Henri Matisse a Eleonore Koch e Richard Diebenkorn. Nesta série, campos de cor criam diálogos e padrões geométricos reaparecem em variações a cada obra. Aqui o processo é outro: estar dentro, imaginando como seria lá dentro.
De volta à natureza viva: em meio à expressividade da exacerbação de cores intensas e movimentos de rápidas pinceladas, por vezes a paisagem apazigua, como em uma meditação. Ao olhar para a natureza, ela parece te olhar de volta. Sem perder seu referente de um mundo concreto e real, Anna Ruth passeia por múltiplas possibilidades da experiência onírica: sonho dormindo, sonho acordado, sonho-desejo, sonho-pintura.
Curadoria
Marina Frúgoli
Artista
Anna Ruth








